segunda-feira, 15 de julho de 2013

Parábola do Rio - Extraído do livro Vinho Novo, Odres Novos de Howard Snyder

     Ele vinha das altas montanhas, ondeando pelos rochedos, passando por entre fendas e florestas, até chegar à planície. Lá fluía largo, tranquilo, mas forte, refletindo em sua superfície perolada a glória do sol.
     A cidade foi construída ao lado do Rio. Foi construída, aliás, por causa do rio. Para o povo, o Rio era a Vida, Sua água pura satisfazia em abundância a sede da Cidade, aguava suas plantações e fornecia uma variedade de peixes e alimentos.
     Por muito anos, a Cidade viveu às margens do Rio em tranquilidade pastoril. A cidade cresceu e se expandiu. Ergueram-se muitas casas e grandes edifícios públicos. Ao longo do Rio, construíram-se ancoradouros, parques e pontes. Com o tempo, o povo encontrou meios de aproveitar o potencial do Rio e edificou canais, moinhos e coisas do gênero. Uma ideia levava a outra e toda uma cultura se formou e torno do rio. Havia prosperidade e saúde para todos.
     Até que surgiu a ideia de uma represa. O povo conhecia o potencial do Rio; afinal, vivia dele. Seria possível fazer muito mais com uma grande represa, que reteria todo o potencial do Rio e forneceria energia constante que não variaria de acordo com as estações.
     E então dissera: "Vamos! Vamos construir uma grande represa para aproveitar o potencial do Rio." E assim fizeram.
     Era um grande projeto, projeto digno. Após alguns anos a represa ficou pronta e trouxe novos benefícios a toda a Cidade.
     Ninguém, porém, percebeu um problema. A Cidade estava tirando proveito do Rio, mas também o estava modificando. Com o passar do tempo, o Rio foi diminuindo, diminuindo; e o lago, crescendo, crescendo. E uma vez que o fluir constante do Rio fora bloqueado pela represa, sua água, antes brilhante, tornou-se escura e opaca. Mas a mudança era tão gradual, que ninguém na verdade percebeu. A glória e os benefícios da represa cegavam os cidadãos para as realidades menos óbvias, porem mais sinistras. Ás vezes doenças e epidemias atingiam a Cidade, mas ninguém relacionava tais problemas com as mudanças no Rio.
     Enquanto isso, outra coisa acontecia. A água pura continuava fluindo do alto das montanhas e, com o tempo, o nível do Rio acabou se elevando cada vez mais atrás da represa. Então, numa primavera, a neve começou a derreter nas montanhas e o Rio começou a atingir novos níveis.
     Numa manhã de janeiro, bem cedo, o povo da cidade foi despertado por um som desconhecido. O estrondo de águas correndo, rugindo, tomou a Cidade e ecoou pelas ruas. Os líderes da Cidade e todo o povo correram até o Rio para ver o que ali estava acontecendo. o Rio estava ali, a represa estava ali - mas a água escoava rapidamente. A represa não se rompera,  mas num ponto extremo do rio, a terra havia cedido, dando lugar a um grande buraco. O Rio escoava por ali, fazendo surgir uma cascata raivosa que saía trovejando pela fenda. O nível da água começou a diminuir. O lodo e a sujeira acumulados naqueles anos todos foram varridos pelo Rio em seu renovado poder.
     Mas a consternação reinava na Cidade. Os governantes convocaram uma assembléia para resolver o que fazer. Especialistas estudaram a situação e apresentaram suas teorias. Havia rumores de sabotagem e subversão. Ouviram-se histórias de que o Rio estava agora seguindo um novo curso abaixo da represa e surgindo do outro lado da planície, formado um novo canal.
     Na realidade, a Cidade não tinha muito o que fazer naquela situação. Mas a Câmara Municipal tomou uma série de decisões. Uma delas expressava indignação diante de tudo que tinha acontecido. Outra impedia todos os cidadãos de se aproximar do novo Rio ou beber sua água.
     E assim passou o tempo. Os engenheiros da cidade não conseguiram fechar a brecha nem aproveitar o fluxo da água. Assim, a Cidade aprendeu a conviver com isso, assim como contentou em continuar vivendo, cuidando da represa (agora praticamente inútil) e escrevendo livros para explicar o que acontecera. As coisas foram se ajustando e a vida voltou ao normal.
     Mas não para todos. Havia, na verdade, um pequeno grupo dos menos capacitados que pensava diferente. Esses estranhos diziam uns para os outros: "Por que ficar aqui ao lado de uma represa inútil, de um Rio inerte? Por que não mudarmos lá para baixo e construir uma Cidade nova lá perto do Rio? Não é o mesmo Rio?"
     E assim fizeram. A Câmara Municipal não aprovou. Houve ameaças, acusações e mais decisões. Mas, apesar de tudo isso, um grupo decidido resolveu se aventurar e seguiu o Rio renovado até a planície mais abaixo e lá fundou uma Nova Cidade. Com o tempo, a Nova Cidade cresceu e prosperou, vivendo do Rio. Construíram ancoradouros, parques e pontes. O povo encontrou meios de aproveitar o potencial do Rio e construiu canais, moinhos e coisas do gênero. Uma ideia levava a outra e toda uma cultura se formou em torno do Rio. Havia prosperidade e saúde para todos.
     E então, um dia (mais ou menos cem anos depois da fundação da Nova Cidade), alguém disse: "Vamos! Vamos construir uma grande represa..."